Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia chancelou oficialmente na sexta-feira,23 de outubro de 2020, a vitória de Arce do MAS (Movimento ao Socialismo), nas eleições realizadas no dia 18 de outubro.
Com 55,2% dos votos, o aliado de Evo Morales, conquistou a Presidência já no primeiro turno, derrotando o golpista Carlos Mesa, de centro-esquerda, que obteve 28,9%.
O novo presidente comemorou no Twitter. “Obrigado, minha querida Bolívia! Recebemos esse mandato democrático com muita humildade”, escreveu após o anúncio oficial. “Agora nosso grande desafio é reconstruir a pátria, recuperar a estabilidade e a esperança para todas e todos os bolivianos. Não decepcionaremos a confiança do povo.
Depois de um processo considerado como um golpe de Estado e quatro adiamentos das eleições, o pleito é considerado uma conquista dos movimentos sociais e do povo boliviano, que organizaram uma série de manifestações e até uma greve nacional para exigir que as presidenciais fossem realizadas.
Apesar do medo, as pessoas saíram a votar. Segundo analistas internacionais tudo correu bem graças aos meios de comunicação internacionais, e aos observadores que vieram, porque se não houvesse esta pressão e observação, talvez não essa vitória não teria sido reconhecida e a Bolívia entraria novamente com uma convulsão social.
Nesta sexta, no Twitter, Evo Morales disse que a confirmação do resultado é “a maior prova de que não houve fraude” no pleito de 2019. “Aqueles que denunciaram têm a obrigação de retirar essas denúncias. Deve-se colocar em liberdade todas as pessoas presas injustamente por esse motivo.
Devido às acusações de fraude em 2019, o pleito atual foi considerado um teste para a democracia boliviana, quase um ano depois do golpe que fez Evo ser pressionado a renunciar por protestos populares e pelas Forças Armadas.
Como o sistema eleitoral boliviano não é automatizado, a apuração manual o demorou 5 dias e o resultado definitivo foi divulgado no dia 23 de outubro. Enquanto a posse do novo presidente deve ocorrer no dia 4 de novembro, segundo decisão do Senado.
A historiadora boliviana Patricia Montaño Durán, que foi um dos símbolos do golpe de 2019, quando sofreu humilhação em praça pública, enquanto ainda era prefeita da cidade de Vinto, e que acaba de ser eleita senadora do Estado Plurinacional, tenta descrever a esperança da população no governo de Arce dizendo que “Essa vitória contundente é do povo boliviano e, em maioria, do povo indígena, porque somos um país indígena. As pessoas viram o que foi esse governo de direita, que foi nefasto para os bolsos, para a saúde e para a educação dos bolivianos.
O que esperamos é ter novamente um governo mais amplo, democrático, que volte a instalar um processo de mudanças mais renovado. “Estamos seguros de que Luis Arce e David Choquehuanca vão defender nossos interesses como bolivianos. Choquehuanca é um intelectual indígena e nos dá muita esperança. É uma pessoa sábia, simples, humilde, muito admirável e muito respeitável. Assim como Luis Arce é um economista eminente, que gerenciou a economia do país” afirma Durán.
Tanto Luis Arce quanto seu vice David Choquehuanca, participaram do governo de Evo Morales, Arce, atuou como ministro de Economia e Finanças durante 13 anos, e Choquehuanca também assumiu papel de destaque como chanceler na última gestão.
Presidentes de vários países felicitaram a dupla do MAS, o chefe de estado da Argentina, Alberto Fernández, que garantiu asilo político a Evo Morales, celebrou o conquista e disse que “A vitória do MAS não é uma boa notícia somente para aqueles que defendem a democracia na América Latina; é um ato de justiça diante da agressão que sofreu o povo boliviano”.
A ex-presidenta Dilma Rousseff aproveitou para alertar dizendo que essa vitória sirva de inspiração aos povos do nosso continente que sofrem sob regimes neoliberais e autoritários.
O ex-presidente Evo Morales, em Buenos Aires (Argentina), disse em coletiva de imprensa que mais cedo ou mais tarde, voltará à Bolívia. Segundo ele, os processos judiciais que existem contra ele, são parte de uma guerra suja, de mentiras, e não é a primeira vez.
Com o novo governo também se gera a expectativa de que as pessoas vinculadas ao MAS e a gestão Morales-Linera, que foram perseguidos pelo golpe, possam retornar ao país.
Ainda segundo Patricia Montaño Durán, há muita gente inocente presa e isso é um abuso que foi cometido por esse governo fascista. Penso que primeiro deve ser instalado o novo governo e logo as pessoas que foram perseguidas poderão retornar ao país. Esperamos começar uma nova etapa, com perdão, com paz e harmonia, para que todos possamos seguir adiante.
Para a historiadora a votação expressiva do MAS é fruto de memória do povo boliviano sobre as últimas quatro gestões, e da influência política de Morales. “Muita gente votou por Evo, porque ele é um líder que deu sua vida à Bolívia. É uma pessoa que, com muita simplicidade e muito trabalho, criou um país melhor”.
No Legislativo, o MAS também manteve a maioria das cadeiras, apesar da perseguição iniciada em 2019 e das mudanças no Tribunal Supremo Eleitoral (TSE).
Para a militância do MAS e analistas políticos internacionais, não é possível compreender a derrota das forças golpistas sem considerar os erros e crimes cometidos pela direita e a resiliência dos movimentos populares.
A onda de violência, que levou o presidente eleito Evo Morales (MAS) e vários companheiros de partido ao exílio, resultou em 33 assassinatos no primeiro mês de golpe. Assim que a senadora Jeanine Áñez assumiu o governo interino, dezenas de políticos e ativistas de esquerda foram presos sem direito a ampla defesa.
Após dez meses de um governo fascista, abusivo, marcado por amedrontamentos psicológicos, que não respeitou os direitos humanos e o Estado de Direito, tornou o golpe “indefensável” mesmo para a direita.
Não restou uma força de direita viável eleitoralmente que não houvesse apoiado o golpe. Carlos Mesa, que tentou vender a imagem de “moderado”, jamais reconheceu o erro de haver endossado a denúncia de fraude da OEA – mesmo quando ela se mostrou infundada.
O golpista começou a assinar sua derrota, quando orquestrou o rompimento com uma política econômica que havia resultado em crescimento e redução da desigualdade era arriscado, mas que era necessário para quem pretendia encerrar o ciclo do MAS.
Ele deu fim nos contratos com empresas alemãs para industrialização do lítio e a escalada dos conflitos causaram desconfiança no mercado internacional e começaram a afetar os negócios da elite empresarial – que, em parte, havia aderido ao golpe.
No fim foram obrigados a admitir que o governo de Morales fez coisas muito boas para os pobres, para tirá-los da pobreza, mas também para os ricos, os empresários, ao abrir mercados de países industrializados para que pudessem importar seus produtos.
A direita boliviana não é capaz de responder às necessidades do povo.
O golpe de 2019 também foi um golpe ao lítio. As empresas norte-americanas reconheceram que financiaram o golpe de Estado. A luta da humanidade é a luta de quem controla os recursos naturais. Na Bolívia, graças à luta dos movimentos indígenas e dos movimentos nacionais Morales decidiu nacionalizar e recuperar os recursos para mudar a situação política do país.
Evo deixa uma reflexão importante para nós Brasileiros, segundo ele nos, cidadãos dos países da América Latina, temos a obrigação de defender nossos recursos naturais. Por que tantas tentativas de invasão, de golpe, dos EUA na Venezuela? Tantas ameaças jurídicas contra meu irmão Nicolás Maduro [presidente venezuelano]? É por seu petróleo!”, disse o companheiro.
Outra razão mencionada foi o acerto na escolha da chapa Luis Arce e David Choquehuanca, entendida como a manutenção do legado de Morales e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de erros do passado.
“Com trabalho, humildade e com o apoio do povo boliviano, recuperamos nosso país, por todos e cada um com unidade e coragem”, resumiu.
Dia 18 de outubro foi um dia histórico, em que nossos irmãos Bolivianos, indígenas, camponeses, quéchuas, aimarás, todos se uniram para que a democracia volte ao seu País, para que o progresso e o desenvolvimento sejam restabelecidos a todos.
“Democraticamente, derrotamos os golpistas. Com a unidade do povo, com essa convicção revolucionária, com esse alto espírito democrático e pacifista, democraticamente derrotamos os golpistas e as políticas dos Estados Unidos. Fiquei surpreendido pela união do meu povo. Foi impressionante a vitória. Creio no movimento indígena, nas forças sociais do meu país”, afirmou Morales.
E nós brasileiros, o que faremos nas urnas? Fica a reflexão, é impossível não ligar o golpe sofrido na Bolívia, ao que sofremos no Brasil com o impeachment de Dilma Rousseff e os reflexos de um governo que não está comprometido com o povo, na economia e na vida dos trabalhadores.
Evo Morales citou algo que nos leva a pensar, ele disse que os líderes latino-americanos precisam incentivar o que chamou de “libertação em ciência e tecnologia se quisermos reconstruir a economia e sair da crise, e essa foi uma das áreas de menor investimento pelo governo Bolsonaro. Onde iremos chegar com essa atitude?
Segundo Morales, Arce terá uma relação de amizade com o Brasil, como aconteceu nos 14 anos em que ele esteve no governo. “Será uma relação sempre de amizade, pois, apesar das diferenças ideológicas e programáticas na América Latina. Precisamos trabalhar nossas diferenças”, disse.
Difícil é saber se Bolsonaro estará disposto a isso.